segunda-feira, 6 de agosto de 2007


Sou minha própria paisagem

Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Alberto Caeiro

sábado, 4 de agosto de 2007

Olhando da janela

Olhando da janela...............por que este nome? Porque hoje à tarde, espiando da janela a rua deserta, a chuvinha fina, aneblina, eu lembrei que antigamente as pessoas ficavam debruçadas na janela vendo a vida passar. Pessoas a cavalo, a pé, gente que chegava, gente que ia. Conhecidos, desconhecidos. E a vida desfilava na frente das janelas das casas de madeira de ruas estreitas, de cidades antigas. As moças namoravam da janela, os moços afundavam o chão de terra batida de tanto que passavam na frente delas. Outras moças, mais faceiras, ofereciam seu prazer. As meninas e meninos sentavam na janela pra ler gibi. As moças solitárias debruçavam-se à janela e ficavam sonhando com o príncipe encantado que surgiria na curva da estrada. As meninas ficavam esperando a mãe chegar do trabalho. Era da janela que a gente ficava espiando pra ver quando o namorado chegasse, ou o carteiro, ou o entregador de jornal.Hoje as janelas estão fechadas aos ruídos, ao sol, ao pó e aos bandidos. Mas como diz o Millôr:

Hai-kai da janela

Essa janela,
Não posso mais
Viver sem ela.